Medicamentos em excesso: todo cuidado é pouco

O que a morte dos cantores Michael Jackson e Prince e o surgimento da chamada superbactéria KPC têm em comum? Ambas notícias, óbvio, a princípio não se relacionam. Entretanto, uma observação cuidadosa deixa claro que estes dois fatos que movimentaram insistentemente os meios de comunicação e a opinião pública estão relacionados ao uso e abuso de medicamentos.

No primeiro caso, uma medicação anestésica, cujo uso é restrito ao ambiente hospitalar e por via endovenosa, vinha sendo usada pelo astro em sua própria casa para combater uma insônia crônica e provavelmente o levou à morte. No caso da superbactéria, que nada mais é que uma velha conhecida que foi exposta excessivamente aos antibióticos, ocorreu uma mutação e a Klebsiella passou a produzir uma enzima (carbapenemase) que a tornou resistente à maioria dos antimicrobianos em uso. Nos dois episódios houve abuso, indiscutivelmente.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA – decretou normas relativas à prescrição e dispensação de medicamentos “controlados” (calmantes, antidepressivos, neurolépticos) e de antibióticos. O objetivo principal da medida é a racionalização do uso ou, em outras palavras, o uso desses medicamentos pelo tempo e doses adequados, sob estreita vigilância do médico que os prescreve. Afinal, quem nunca usou aquele remedinho que a vizinha disse que é tiro e queda para uma suposta gripe ou aquele da faixa preta para pegar no sono, sem saber exatamente a causa de seus sintomas?

Há evidências, por meio de grandes pesquisas mundiais, que o abuso de medicamentos psicotrópicos (aqueles que agem no psiquismo) já supera o uso de cocaína, heroína e ecstasy somados. Os analgésicos derivados da morfina, chamados opióides, os tranquilizantes e os estimulantes são os mais utilizados e, curiosamente, dependem da receita médica que fica retida na farmácia. Mas, então, como eles são adquiridos? Por incrível que pareça, ainda no balcão de algumas farmácias, importados de nossos vizinhos paraguaios e até pela internet. No caso dos antibióticos, a situação era ainda pior: bastava ir a determinadas farmácias inescrupulosas, apresentar uma queixa supostamente de origem infecciosa para receber, entre infalíveis analgésicos e anti-inflamatórios, uma caixa de antibióticos.

Além dos riscos do uso indiscriminado destas duas classes de fármacos, existe sempre a probabilidade de um efeito adverso ou efeito colateral para qualquer medicação que se utilize, mesmo que o indivíduo tenha sido corretamente avaliado e diagnosticado pelo médico. Os efeitos adversos a medicamentos normalmente são previstos e previamente conhecidos pelos profissionais e pela indústria; todavia, ao serem utilizados em associação a outros princípios ativos acontece a chamada interação medicamentosa, às vezes inesperada. Este fenômeno é explicável, uma vez que a mesma enzima que metaboliza e transforma a medicação A pode estar envolvida, naquele momento, na metabolização da medicação B, fazendo com que uma delas tenha sua concentração aumentada ou reduzida no sangue. Assim, não fica claro que é importante que se conheça um pouco de farmacologia e fisiologia humana para se prescrever remédios? Fica claro também que apenas ao médico cabe fazê-lo, o único profissional habilitado para fazer diagnósticos, propor tratamento e, por consequência, responder pelos resultados.

Bem vindas, portanto, as medidas sanitárias de controle sobre a venda de medicamentos. Enfim, remediar, atenuar com remédio o mal ou a dor, envolve algumas importantes etapas. Exige conhecimento apropriado.

Logo, a persistirem os sintomas, um médico deverá ser consultado. Antes, bem antes que o colega te ofereça o comprimidinho salvador ou o galã da novela te induza a correr à farmácia mais próxima.

Alexandre Avellar Alves
Especialista em Geriatria e Medicina Interna

 

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