Ando me esquecendo de tudo... Será minha memória?

Provavelmente você já se questionou, em algum momento de sua vida, por que vem se “esquecendo de tudo”. É até possível que tenha se preocupado porque viu determinado filme que você adorou e não se lembra mais o nome do ator principal ou porque acabou de ler agora mesmo um texto e precisou lê-lo novamente pois o havia “esquecido”. Se você já tiver passado dos quarenta, cinquenta anos, deve ficar impressionado como aquele seu vizinho adolescente é capaz de decorar, inteira, aquela música horrível, enquanto você sua a camisa nas aulinhas de alemão, se achando incapaz de aprender um novo idioma.

Pois bem, nada de anormal com sua memória se você se identificou com a leitura até aqui, ainda mais se você disser que tornou-se mais exigente com o que lê ou vê, se seu juízo crítico se apurou com os anos ou que sua capacidade de “ver as coisas” melhorou com o passar dos anos. A isso chamamos amadurecimento.

Nas décadas iniciais da vida, nosso cérebro em formação, ávido de estímulos e informações novas, desenvolve a memória fluida. Como uma esponja, nela é relevante a quantidade de informações acumuladas, muitas vezes sem critérios de filtragem. Todavia, a partir da terceira década de vida, desenvolvemos a memória cristalizada, que cresce infinitamente e reflete a qualidade da informação. Tudo que for irrelevante para você (números, trajetos, nomes, imagens) será apagado ou resgatado com alguma dificuldade do sótão de sua memória, bem como pessoas, coisas e lugares com os quais você pouco convive, ainda que tenham sido importantes em algum momento de sua vida.

Também é importante entender que se anotamos um endereço, vamos até nosso destino e lá nunca mais retornamos, dificilmente seremos capazes de nos lembrar, alguns anos depois, detalhes do local visitado: afinal esta é a memória de curto prazo, que é basicamente dependente de informações sonoras, visuais e espaciais. Com ela trabalhamos nossos interesses imediatos ou circunstanciais. Em paralelo, ao aprendermos andar de bicicleta, conduzir um automóvel ou preparar uma refeição, nunca mais esqueceremos, pois entrou em ação uma das memórias de longo prazo, indispensáveis à nossa independência, que é a memória práxica (ou implícita). Da mesma forma, são imprescindíveis todos os nossos conhecimentos e informações, adquiridos ao longo da vida (memória semântica), bem como nossa história pessoal e do “estar no mundo” (memória episódica), fundamentais à nossa autonomia.

Assim, importa o essencial. A menos que nossa vida pessoal ou nossa vida de relação torne-se prejudicada por déficits cognitivos, o que mereceria avaliação médica, não deveríamos nos alarmar se perdemos as chaves da casa ou não identificamos um conhecido que nos saudou hoje na rua. Necessário, em contrapartida, é sentirmo-nos úteis, buscar incessantemente nosso enriquecimento intelectual e, de alguma maneira, contribuir para o desenvolvimento social.

Alexandre Avellar Alves
Especialista em Geriatria e Medicina Interna
 

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